MPRS denuncia homem por feminicídio do irmão transgênero em Ibiaçá
O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) em Sananduva denunciou, nesta segunda-feira, 4 de agosto, por feminicídio, homem de 21 anos pela morte de irmão, assassinado com 40 golpes de faca na presença da mãe de ambos. A vítima, que tinha 29 anos, era um homem transgênero. O crime ocorreu no dia 19 de julho deste ano, na comunidade de Divino Faxinal, zona rural de Ibiaçá, no Norte do Estado.
Segundo o promotor de Justiça Miguel Germano Podanosche, responsável pelo caso, embora o caso tenha sido inicialmente enquadrado como homicídio, o Ministério Público entendeu pela incidência do crime de feminicídio. “A denúncia se deu precisamente pela vulnerabilidade marcante que pessoas do sexo feminino têm nos diversos âmbitos da vida, especialmente o familiar. Nesse sentido, é inegável que pessoas que foram designadas como do sexo feminino no nascimento, mas que se identificam como do gênero masculino vivenciam situações de vulnerabilidade ainda maiores”, afirmou.
O promotor explica que a denúncia leva em conta a literalidade da lei que instituiu o crime de feminicídio, que exige que o delito contra a vida seja praticado por razões da condição do sexo feminino, e não necessariamente em razão da identidade ou expressão de gênero da vítima. “O caso é um dos primeiros no Brasil em que se discutirá a proteção outorgada pela nova lei do feminicídio, que prevê a maior pena do Código Penal, a pessoas do sexo feminino que apresentam identidade de gênero distinta”, ressalta.
Conforme a denúncia, o crime foi praticado com emprego de meio cruel, em razão do intenso sofrimento imposto à vítima diante da quantidade de facadas. Além disso, ocorreu com recurso que dificultou a defesa da vítima, já que o crime aconteceu em localidade rural, afastada do centro urbano, durante a madrugada e apenas a mãe dos dois se encontrava na residência, “contexto que reduziu significativamente qualquer chance de reação da vítima ou de intervenção por terceiros para socorrê-la”.
MOTIVAÇÃO DO CRIME
Miguel Podanosche apontou duas motivações identificadas ao longo das investigações. A primeira, de natureza imediata, foi considerada fútil: o crime teve início após a vítima reclamar ao acusado que ele estaria atrapalhando o descanso da mãe durante a madrugada. “Foi uma razão banal para desencadear uma ação tão violenta”, destacou o promotor.
A segunda motivação tem caráter estrutural e revela profunda crueldade. A partir de informações reunidas pela Polícia Civil e órgãos de proteção à infância e juventude de Ronda Alta e Sarandi, foi possível traçar um histórico de vulnerabilidade da vítima. Desde a infância, ela enfrentou conflitos familiares, passou por duas institucionalizações, tentou suicídio, relatou possível abuso sexual por outro familiar e sofreu rejeição por sua identidade de gênero. “Esses elementos, somados à brutalidade do crime, indicam que o acusado não aceitava o pertencimento da vítima ao núcleo familiar, o que também evidencia que sua identidade de gênero esteve ligada à motivação do homicídio”, concluiu Podanosche.
Além do crime de feminicídio majorado, o denunciado também responderá pelo abalo emocional causado à própria mãe, que presenciou os fatos (com base no artigo 147-B do Código Penal, que trata do crime violência psicológica contra a mulher).
A expectativa do MPRS é de que o réu, preso preventivamente desde o dia 22 de julho, permaneça no sistema penitenciário até o julgamento pelo Tribunal do Júri. Caso condenado nos termos da denúncia, o homem poderá ser sentenciado a uma pena de até 55 anos de reclusão.