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Refúgio e direitos humanos pautam seminário no Ministério Público

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“O processo de perseguição e de refúgio viola muitos direitos. Perde-se tudo: a família, as amizades, a cultura. Sente-se que está isolado no mundo, uma tremenda solidão. E há situações muito piores”. A manifestaçao é de Mauricio Avilez, refugiado no Brasil. Foi a fala que encerrou a manhã de atividades no I Seminário de Proteção e Integração de Refugiados no Brasil. O depoimento do colombiano silenciou a plateia e ilustrou as palestras e manifestações realizadas na primeira etapa do encontro, que tratou principalmente sobre refúgio e direitos humanos.

A exposição do colombiano também demonstrou a relevância do debate, realizado no Palácio do Ministério Público nesta terça-feira, 22. As atividades foram abertas pela procuradora-geral de Justiça, Simone Mariano da Rocha, que destacou o pioneirismo do Brasil entre os países do Conesul em ratificar a Convençao da ONU sobre o Estatuto de Refugiados de 1951. Ela também destacou que a atividade abre as comemorações dos 50 anos da Convenção. “Esta pauta sinaliza a nossa preocupação com os assuntos que dizem respeito à dignidade humana e com essas pessoas que perderam o vínculo com seu país de origem e carecem de acesso aos direitos fundamentais”, ressaltou a Chefe do MP.

Palestrante de abertura, o governador Tarso Genro destacou casos emblemáticos sobre a busca por refúgio no Brasil, em especial do período em que esteve a frente do Ministério da Justiça. A partir do caso Cesare Battisti, das repercussões geradas sobre o tema na mídia e na forma como interferiu nas relações entre os países, o Governador defendeu que o exemplo deve motivar uma reflexão. “Quando a repressão é legítima no Estado Democrático e isso determina violação dos direitos humanos, há razões para o refúgio? Nós acreditamos que sim”, disse ele, argumentando que, sob o olhar do governo brasileiro, Battisti não pode ser considerado criminoso comum, por seus atos terem configurado crimes políticos em um momento de violações dos direitos humanos praticados pelo Estado italiano. Na avaliação do Governador, “o Brasil tem hoje um preso politico, que é do STF, que mantém presa uma pessoa que recebeu refúgio politico do Brasil e que, como determina a lei, deveria ter sido interrompido o processo de extradição”. Para ele, direitos humanos está relacionado também com o contexto internacional e com a manutenção da soberania da ordem jurídica dos países que devem ser fortes na manutenção de seus valores democráticos. Tarso Genro finalizou dizendo que “a inviolabilidade dos direitos é a maior evolução da sociedade moderna e desse ponto não se pode retroceder”.

REFÚGIO NO BRASIL E NO MUNDO

A crescente preocupação com o atendimento a refugiados no Brasil e no mundo foi o tema abordado pelo representante da Agência da ONU para Refugiados no Brasil (Acnur), Andrés Ramirez. Segundo ele, o Brasil tem sido reconhecido pela adesão à Convenção e por planos de ações formulados internacionalmente para a assistência a refugiados, ainda que o país conte hoje com um número pequeno de refugiados: são menos de 4,4 mil, a maioria vindos de Angola, Colômbia e República Democrática do Congo.

A crise humanitária na Colômbia, segundo ele, é a mais preocupante na América Latina. Já são mais de três milhões de deslocados internos no país, em virtude das perseguições feitas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e, por vezes, pelo governo colombiano. A dificuldade do próprio governo de dar proteção às vítimas das Farc leva o país a pedir apoio a nações vizinhas, como o Brasil e principalmente Equador, que hoje tem mais de 30 mil refugiados. Para se ter uma ideia da relevância desse amparo, Ramirez lembrou que em 2010 7,5 mil deslocados internos foram assassinados na Colômbia.

“Por isso buscamos trabalhar com os governos a importância dessa solidariedade internacional. E temos encontrado esse amparo no Brasil. O próprio Rio Grande do Sul tem se demonstrado um importante Estado para acolhimento e para o processo de integração das pessoas reassentadas no país”, esclareceu o representante do Acnur. No Estado há mais de 160 refugiados, principalmente palestinos e colombianos.

Os conflitos no norte da África não deixaram de ser mencionados. De acordo com Ramirez, eles têm sido uma preocupação cada vez maior para o Acnur. Na região já são contabilizados mais de 320 mil refugiados. A maioria buscou amparo na Tunísia e no Egito.

“O refúgio serve para dar proteção. Quando a pessoa já não encontra mais a garantia de seus direitos fundamentais no seu país, a comunidade internacional deve protegê-la. Mas para isso é importante que os países estejam estruturados e comprometidos com esta causa”, destacou o presidente do Comitê Nacional para Refugiados e ex-ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. Segundo ele, embora o número de refugiados no Brasil não seja grande, o país é estrategicamente importante. “Não chegamos a cinco mil refugiados, mas temos cidadãos de 76 diferentes nacionalidades aqui, porque eles encontram no Brasil um solo fértil para a proteção”, disse. Para ele, debates como este devem permanecer, pois “a única maneira de continuarmos num país democrático, é continuar lutando pela democracia, construindo mecanismos estáveis de proteção aos indivíduos, seja lá onde forem”.

DIFICULDADES DO REFÚGIO NO BRASIL

As atividades previstas para a manhã foram encerradas com a manifestação do chefe da Delegacia de Imigração da Polícia Federal, Farnei Franco Siqueira. Ele falou sobre os procedimentos de atendimento ao solicitante de refúgio e desafios a serem superados. Entre eles estão principalmente os entraves burocráticos que impedem a concessão rápida do título de refugiado a tais pessoas, além de taxas que são cobradas pela documentação e que nem sempre podem ser custeadas por um refugiado. “Um estrangeiro que sequer tem o que comer, o que vestir ou onde morar, não tem como pagar os valores, que estão na faixa dos R$ 100”, destacou o Delegado. A dificuldade em conceder documentos que legalizem a condição dos refugiados no país também impede as pessoas a desenvolverem atividades cotidianas para reconstruir a vida no Brasil, como abrir contas bancárias e obter créditos.

Dados da PF demonstram que em 2010 foram feitos 20 pedidos de refúgio no Rio Grande do Sul. Onze somente em Porto Alegre, sendo seis de cidadãos de Bangladesh, quatro colombianos e um uruguaio. Siqueira alertou, no entanto, que muitos imigrantes em situação ilegal utilizam a legislação que permite a solicitação de refúgio na tentativa de permanecer no país.

O preconceito e a dificuldade de integração dos refugiados foi o tema trazido à tona com a manifestação do colombiano Mauricio Avilez, de 30 anos, refugiado após ter sido preso e torturado no seu país natal. “Faz seis anos que estou refugiado e há quatro vivo no Brasil. Só agora sinto que meu projeto de vida está sendo organizado. Mas ainda vivo em crise emocional. Não consigo dimensionar, às vezes, o que é ter quebrado todos os laços da minha vida”, relatou. Segundo ele, muitas vezes o refugiado não consegue entender os procedimentos burocráticos, não consegue emprego e é estigmatizado pelos nativos. “Se é difícil pra mim, sozinho, imagine para uma família inteira, que passa fome, não consegue emprego, não sabe se o protocolo que consegue na Polícia Federal vale como documento ou não”, disse.

Possibilidades para agilizar e qualificar o atendimento a essas pessoas, facilitar o processo de integração dos refugiados e o papel dos órgãos estatais e da sociedade também serão discutidos no seminário.



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