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ORIENTAÇÃO N. 01/2020 - PGJ

Orienta sobre a aplicação da Lei n. 13.869, de 05 de setembro de 2019 - Lei de Abuso de Autoridade - no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.

CONSIDERANDO que é função institucional do Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição federal;

CONSIDERANDO que é direito fundamental o acesso à informação, nos termos do art. 5.º, inc. XIV1 , da Constituição Federal;

CONSIDERANDO art. 5º, inc. XXXIII da Constituição Federal2, que garante o acesso à informação de interesse particular ou coletivo em geral, a ser prestada pelos órgãos públicos;

CONSIDERANDO o art. 37 da Constituição Federal, que estabelece os princípios da Publicidade, Impessoalidade e Transparência como princípios estruturantes de nosso Estado democrático;

CONSIDERANDO que a publicidade de atos estatais tem relação direta com o interesse público à informação (art. 37, caput, e art. 93, IX, todos da CF), refletindo no dever da prestação de informações sobre a atuação estatal na persecução penal, sempre observando que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5.º, LVII, CF);

CONSIDERANDO o art. 5.º, inc. X e XII, da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade da intimidade e o sigilo das comunicações;

CONSIDERANDO decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN n. 4.815, da qual se extrai que “o direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações”;

CONSIDERANDO que é dever do agente público informar para o desenvolvimento da cultura de transparência na Administração Pública, nos termos da Lei de Acesso à Informação, a que se subordina o Ministério Público (art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 12.527/2011);

CONSIDERANDO o art. 3º, inc. I, da Lei n. 12.527/20113, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216, ambos da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que, no âmbito do Ministério Público, a publicidade está normatizada no art. 5º, inc. I, alínea h, bem como o inciso V, alínea b, ambos da Lei Complementar n. 75/19934, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o Estatuto do Ministério Público da União;

CONSIDERANDO que, no âmbito do Ministério Público, a publicidade também está normatizada no art. 26, inc. VI, da Lei n. 8.625/19935, que Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados, além de outras providências;

CONSIDERANDO que o art. 8.º da Resolução n. 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público dispõe que, “em cumprimento ao princípio da publicidade das investigações, o membro do Ministério Público poderá prestar informações, inclusive aos meios de comunicação social, a respeito das providências adotadas para apuração de fatos em tese ilícitos, abstendo-se, contudo de externar ou antecipar juízos de valor a respeito de apurações ainda não concluídas”;

CONSIDERANDO que o inciso IV do parágrafo único da Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público dispõe que “os atos e peças do procedimento investigatório criminal são públicos, salvo disposição legal em contrário, ou por razões de interesse público ou conveniência da investigação”;

CONSIDERANDO a Resolução n. 89/2012 do Conselho Nacional do Ministério Público, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação no âmbito do Ministério Público;

CONSIDERANDO a edição da Lei n. 13.869/2019 - Lei de Abuso de Autoridade, em 05 de setembro de 2019, que elenca, em seu art. 2º, os sujeitos ativos dos fatos típicos nela previstos, dentre os quais os membros do Ministério Público, integrantes do Poder Judiciário e demais agentes públicos que atuam, direta ou indiretamente, na persecução penal;

CONSIDERANDO que a referida lei adotou, para tanto, diversos tipos penais abertos, que requerem complementação interpretativa para sua aplicação;

CONSIDERANDO que o artigo 38 da Lei mencionada criminalizou a antecipação, pelo responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, de atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação;

CONSIDERANDO que o artigo 1º, § 1º, da Lei n. 13.869/2019, estabelece que somente se perfectibilizam os crimes de abuso de autoridade quando existente o elemento subjetivo específico que caracterize “finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”;

CONSIDERANDO também a regra geral contida no artigo 1.º, § 2.º, da Lei n. 13.869/2019, dispondo que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”;

CONSIDERANDO que o artigo 3.º, § 1.º, da n. Lei 13.869/2019 admite a ação penal privada subsidiária em relação aos crimes nela previstos se a ação penal pública não for ajuizada no prazo legal e que somente há prazo legal para o ajuizamento de ação penal após finalizadas todas as respectivas diligências investigativas, hábeis à formação da opinio delicti;

CONSIDERANDO que o artigo 339 do Código Penal criminaliza a denunciação caluniosa como a conduta de “dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”;

CONSIDERANDO o princípio constitucional da independência funcional dos membros do Ministério Púbico, objeto do artigo 127, §1º, da Constituição Federal, bem como as suas respectivas funções institucionais previstas no artigo 129 da Constituição Federal,

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, FABIANO DALLAZEN, no uso das atribuições que lhe conferem o artigo 109, inciso I, da Constituição do Estado, o artigo 4.º, § 5.º, e o art. 25, inc. XX, ambos da Lei Estadual n. 7.669, de 17 de junho de 1982, respeitada a independência funcional dos membros do Ministério Público, estabelece as seguintes ORIENTAÇÕES acerca da aplicação da Lei n. 13.869/2019 - LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE:

1. Os tipos incriminadores da Lei de Abuso de Autoridade somente se perfectibilizam quando praticados pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, nos termos do disposto no § 1.º do art. 1.º da Lei n. 13.869/2019.

2. Não constitui abuso de autoridade tipificado na Lei 13.869/19 a divulgação, em meios de comunicação e redes sociais, de ações, procedimentos e atos relativos ao cumprimento das funções institucionais do membro do Ministério Público.

3. Não constitui crime de abuso de autoridade a narrativa técnica e de forma oficial aos veículos de informação das diligências alcançadas a partir de elementos de prova em expediente investigatório regularmente instaurado.

4. Não constitui crime de abuso de autoridade a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, conforme o art. 20 do Código Civil de 2002.

5. Durante a investigação criminal, a mera narrativa de seu conteúdo, com divulgação do nome, de fotografia ou de qualquer dado da identidade do suspeito pela autoridade policial ou ministerial não constitui, por si só, crime de abuso de autoridade.

6. Durante a investigação criminal, a divulgação de fotografia do suspeito não deve apresentar caráter vexatório nem sugerir a sua culpa pela prática do delito, recomendando-se que se opte pelas imagens constantes de arquivos oficiais, quando disponíveis e suficientes para a identificação.

7. Mesmo durante o curso da investigação criminal, a divulgação do nome, de fotografia, ou de qualquer dado da identidade do suspeito que se encontre foragido não constitui, por si só, crime de abuso de autoridade, em vista da existência do interesse público na sua localização e (re)captura.

8. Não constitui crime de abuso de autoridade a divulgação de gravação de áudio, mídia, ou qualquer direito protegido por cláusula judicial constitucional, quando a difusão for autorizada pela Justiça.

9. Não constitui crime de abuso de autoridade (art. 28 da Lei n. 13.869/2019) a divulgação judicialmente autorizada de gravação ou de trecho de gravação com a presença de dados ou de informações pessoais não relacionados à infração penal investigada ou processada, quando integrantes de contexto mais amplo vinculado à investigação ou ao processo.

10. A imputação da prática do crime de abuso de autoridade desprovida de justa causa ou sabendo o noticiante que o agente público não violou seus deveres funcionais, configura, em tese, o crime de denunciação caluniosa.

11. Carece de justa causa a notícia-crime por abuso de autoridade que não apresente, de forma clara e delimitada, elementos concretos de informação mínima e razoável a indicar que o agente público agiu com alguma das finalidades específicas previstas no artigo 1.º, § 1º, da Lei n. 13.869/19.

12. A prova de inércia e desídia da autoridade responsável pela investigação e pela formação da opinião delitiva sobre o fato é requisito essencial da ação penal privada subsidiária da pública, sem a qual ela deve ser rejeitada por ilegitimidade de parte e falta de pressuposto processual da ação penal6, não a justificando unicamente o mero decurso do prazo.

A Assessoria de Imprensa do Ministério Púbico, a pedido do Membro, responsável pelo procedimento ou investigação, realizará a divulgação das informações pertinentes ao dever de transparência e publicidade.

Por fim, no cumprimento do dever funcional, em respeito à necessidade de razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação, à luz do disposto no inc. LXXVIII do art. 5.º da Constituição Federal, faz-se imperativo aos Membros do Ministério Público a estrita observância aos prazos legais, notadamente para a formação da opinio delicti e formalização da acusação.

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em Porto Alegre, 02 de março de 2020.

FABIANO DALLAZEN,
Procurador-Geral de Justiça.


DEMP: 04/03/2020.

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1 Art. 5.º (...):
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (grifos apostos).
2 Art. 5.º (...):
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (grifos apostos).
3 Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:
I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;
4 Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios:
[...] h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União;
[...] V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:
[...] b) aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade; [...]
5 Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: [...] VI - dar publicidade dos procedimentos administrativos não disciplinares que instaurar e das medidas adotadas;[...]
6 STJ, AgRg no AREsp 1049105/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 9/11/2018; STJ, AgRg na APn 826/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/09/2018, DJe 9/09/2018; STJ, AgRg no REsp 1477394/DF,Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe23/02/2016.


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