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Recomeçar: projeto muda uma realidade em São Gabriel

marco

Segurança é tema de interesse de todos. No entanto, as prisões, que estão na ponta desse sistema de segurança, são um assunto mais espinhoso. Motivo de divergência, de indiferença, até de revolta. “Esse é um tema muito árido. Ninguém quer saber de preso”, diz a promotora de Justiça de São Gabriel Ivana Machado Battaglin. O desafio é grande para quem trabalha diariamente junto à população carcerária e presencia todos os dias as mazelas desse sistema e batalha para modificar essa realidade, a fim de possibilitar outras condições de aplicação da pena a quem, por seus crimes, perdeu o direito à liberdade: promover uma mobilização para alcançar esses objetivos e combater preconceitos. Em São Gabriel, pouco a pouco, essas metas têm sido conquistadas.

Um projeto desenvolvido na cidade há aproximadamente um ano e meio através de uma parceria entre Judiciário e Ministério Público conseguiu envolver a comunidade para melhorar as condições do Presídio Estadual de São Gabriel. O projeto chamado Recomeçar foi proposto pelo então juiz da Comarca, José Pedro Eckert à promotora Iavana Battaglin, que abraçou a ideia para apoiar a execução.

Juntos eles reuniram diferentes segmentos da comunidade e encararam o desafio de falar sobre o assunto: “Era pra mostrar que aquelas pessoas que cometeram crimes estão lá dentro, mas que um dia elas vão sair. E que se essas pessoas não ressocializarem, não vai adiantar nada. Mostramos fotos de dentro do presídio e destacamos que um ser humano não tem como viver daquele jeito”, relata a Promotora. Foi assim que a comunidade se comoveu e aderiu à iniciativa, colocando a mão no bolso e abrindo suas portas para ajudar a mudar essa realidade.

De acordo com o juiz José Pedro Eckert, eram muitas as deficiências que o projeto queria sanar: falta de material de higiene, de roupas, comida, problemas na fiscalização interna, falhas estruturais, esgoto a céu aberto, entre outras. “Nós conseguimos reverter muitas dessas coisas. Com apoio da comunidade foram adquiridas câmeras de segurança, o albergue do semiaberto e aberto foi reformado, o presídio ganhou um novo parlatório com interfones, uma biblioteca, uma sala de aula toda nova”, relata o Magistrado. Segundo ele, 1,2 mil livros foram doados pela comunidade, o Município disponibilizou um professor para lecionar aos detenos e foi firmado, ainda, um convênio com o Alcoólicos Anônimos, para que pudessem receber apenados nas reuniões do grupo.

Simultaneamente, houve um esforço para ampliar as vagas de trabalho aos presos com direito ao serviço externo. O número de postos juntos à Prefeitura foi duplicado e mais duas empresas firmaram convênio para ter apenados entre seus funcionários.

“A reinserção no trabalho é uma das etapas do projeto que melhor funciona. Chega a faltar apenados para o número de vagas no semiaberto”, relata a Promotora. Alguns dos que trabalham nas empresas têm até mesmo a chance de permanecer na empresa ao final da pena. O serviço interno, por enquanto, ainda é incipiente, mas também foi impulsionado pelo Recomeçar: há seis vagas para os homens, que podem trabalhar na fabricação de tubos de concreto para a prefeitura, enquanto as mulheres trabalham com artesanato.

Isso também envolveu a necessidade de fortalecer a fiscalização sobre esses apenados. Foi assim que a promotora Ivana Battaglin articulou com Brigada Militar, Polícia Civil e Judiciário a verificação da frequência dos presos ao local de trabalho. Toda semana, Ivana recebe uma relação completa de quem está em serviço externo e onde. A relação é repassada e cada um, dentro das suas possibilidades, faz a averiguação. A ausência do apenado é imediatamente comunicada ao MP, que contata a penitenciária para instauração de Processo Administrativo Disciplinar que pode culminar na regressão da pena.

O impacto da atividade foi grande e inverteu o comportamento de muitos apenados: “Nas primeiras fiscalizalções eles não estavam nos locais de trabalho. Saíam para trabalhar e na verdade iam traficar. Quando começaram a perder o benefício da progressão de regime, passou a causar uma sensação de que há fiscalização. Agora é raro não encontrar alguém no trabalho, porque eles sabem que haverá fiscalização”, diz Ivana.

“Esse é o tipo de trabalho que tem que ter envolvimento integral do Juiz e do Promotor. Esse projeto nos tomou muito tempo. Mas quando se vê esse comprometimento, vê que o trabalho é sério, tem respaldo. E a comunidade responde, ajudando no trabalho”, avalia José Pedro Eckert.

O problema ainda é o consumo de drogas entre os presos. A frequência às aulas no presídio, por exemplo, é pequena, porque grande parte da massa carcerária é viciada em substâncias entorpecentes, principalmente o crack, o que torna difícil motivar os apenados. Parte das reformas viabilizadas pela mobilização também já estão ficando depredadas. Mas isso não intimida. O projeto permanece em execução e novas alternativas para qualificar o cumprimento da pena são permanentemente estudadas. O projeto conta, por exemplo, com um fundo que recebe investimento mensal por parte de alguns empresários. Além disso, algumas transações penais foram e são revertidas em benefício do Recomeçar. A conta é judicial, e o recurso só pode ser movimentado com alvará da Justiça, quando a verba se faz necessária para investimento na penitenciária.

“Esse é um trabalho a longo prazo. Lançamos uma semente que tem que ser trabalhada dioturnamente”, considera o idealizador do projeto, que hoje é juiz de Alvorada. Para a promotora Ivana Battaglin, a iniciativa tende a prosperar: “Nós obtivermos muitas conquistas, mas o trabalho não para por aí. Ainda há muito que melhorar, e estamos comprometidos com isso”, diz ela.

Na próxima e última reportagem da série, você vai conhecer as ações que estão em desenvolvimento para auxiliar os apenados com dependência química a se livrarem das drogas.



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